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Foto de João Paulo Pimenta |
Falaremos sobre a maneira como nos manifestarmos cenicamente para discutir o que somos enquanto personagens, palhaços, cômicos populares, encenadores, brincantes, atores, performers, clown, atuadores, bufões, etc., etc.? Para isso, vamos também citar algumas críticas de nossos espetáculos que buscaram caracterizar o nosso trabalho e contribuíram para essa reflexão.
O grupo Rosa dos Ventos tem 18 anos de caminhada. Acreditamos que tivemos uma formação bastante livre. Começamos fazendo oficinas de circo, de teatro, assistindo a espetáculos em festivais, participando de simpósios de arte, fazendo montagens de cenas para eventos na universidade e comerciais, visitando circos, e por aí vai. Além disso, participávamos de um projeto de extensão universitária que levava animações e brincadeiras de cultura popular para escolas e fazíamos interações em festas de aniversário.
Toda a vivência enquanto estávamos na universidade foi estruturante na formação do grupo e nesse processo fomos nos identificando com o cômico e o popular. Ao visitar circos pequenos que passavam por nossa região descobrimos seus palhaços verborrágicos, despudorados, que não deixavam o público quietos. Vimos nele uma liberdade de improvisação e jogo cênico com o público que nos provocou, e depois, essa mesma relação, começamos a entender nas rodas de rua com os emboladores, repentistas, puladores de arco de facas, etc.
Nesse contexto de aprendizado criamos nosso primeiro espetáculo, circense, que era sempre uma seleção de números de ocasião, e depois foi ganhando um roteiro mais definido e técnicas. Esse espetáculo continua em nosso repertório, depois de muitas mudanças e adaptações.
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Foto de João Paulo Pimenta |
O processo de criação dos nossos espetáculos sempre se deu atravessado por uma miscelânea de coisas que fomos aprendendo e vivendo do circo, do teatro, da cultura popular, dos diferentes tipos cômicos, da arte de rua, etc., e influências diversas da vida cotidiana e conversas com outros grupos e artistas.
Às vezes, é difícil dizer o que fazemos, ou o que somos – palhaços? Brincamos sempre com a história que chegamos num festival de teatro e disseram que o que fazíamos era circo; e chegamos num festival de circo e disseram que o que fazíamos era teatro.
Nossa aparência tem o peso do palhaço tradicional, com maquiagens sempre branca, vermelha e preta, roupas e sapatos sempre ampliadas, coloridas e espalhafatosas. Cenicamente, podemos variar, dentro de um mesmo espetáculo, da relação de “branco” e “augusto” para o uso de técnicas de bufão. Um recurso cênico pode se desdobrar em outros, variando papeis ou com improvisos, e assim não nos prendemos a uma única forma, ou, melhor dizendo, sempre caminhamos para aquilo que é mais universal, ancestral, que funciona na rua, provocando o público a entrar e ficar na roda.
Já tivemos a felicidade ver nossos espetáculos objeto de trabalhos críticos, em textos. Essas apreciações, que citaremos a seguir, vão ao encontro do nosso entendimento de que o que fazemos não cabe num único conceito. A depender do olhar e do contexto do acontecimento da obra, somos encarados como palhaços ou outro conceito qualquer (clowns, performers, atuadores, atores, etc.).
As duas primeiras crítica são em referência ao nosso primeiro espetáculo, “Hoje Tem Espetáculo”, que teve sua estreia em 2001 e já aconteceu mais de 600 vezes em 15 anos de circulação. Cadu Witter, Fatima Moniz, Daniela Scarpari e Ricardo Vasconcelos escreveram de forma coletiva sobre a nossa apresentação no XII Festival Nacional de Teatro de Limeira em 2011. Os autores dizem que o que fazemos é um teatro de rua autentico e que utilizamos “com galhardia e excelência os elementos do circo na rua”, emanando “carinho e generosidade com o público”. Kil Abreu, que assistiu nossa apresentação no 30° Festivale de São José dos Campos em 2015, escreveu que fazemos: “acontecer o diálogo entre o circo tradicional (números, entradas e piadas vistos há pelo menos duzentos anos) e a sua experimentação no calor da hora dos tempos atuais. Sem propriamente inventar novas formas para a cena cômica, a trupe se dedica a fazer valer um repertório colhido nas convenções da arte do palhaço - o que não é pouco do ponto de vista da tarefa artística que se coloca. Pois que aqui se trata de uma linguagem cujos códigos têm vida longa e se mostram mais ou menos efetivos não necessariamente em função da novidade formal, mas do espírito vivo do clown que anima o ato, ainda que ele seja a repetição de ações que vêm ‘das antigas’”. Ao longo texto utiliza ainda outros termos para se referir a nós, como clows, palhaços faladores e indisciplinados, artistas populares, e complementa que fazemos uma boa performance com o público se divertindo com as diferentes mascaras que utilizamos, que vai autoritário e patético para o esperto ingênuo, causando importantes efeitos cômicos.
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Saltimbembe Mambembancos, que teve sua estreia em 2005 e já aconteceu mais de 450 vezes foi criticado por Valmir Santos e Fábio Mendes. Valmir assistiu ao espetáculo no calçadão no centro da cidade de Ponta Grossa-PR, durante o 38° FENATA em 2010. Ele afirma que o picadeiro é absoluto em nosso espetáculo e que, nós, atores palhaços, vamos de um radicalismo escatológico e imoral, partilhado de modo explícito e subterrâneo com o público, a uma outra face oculta do grupo, que seria nosso potencial, de contracenar com o lirismo, tocando em zonas do eu feminino e transformando problemas e improvisos que poderiam dar errado em poesias. Também disse que somos despudorados e que isso diz respeito a máscara do palhaço, a um estado provocador sem mesuras e fieis ao espirito roto de artistas mambembes. Fábio, por sua vez, assistiu ao espetáculo no XXXVI FESTE Festival Nacional de Teatro de Pindamonhangaba – SP em 2013, no Bosque da Princesa, e descreve que se trata de “[...] um espetáculo circense que tem como foco central a cultura popular e sua comunicação nas ruas e praças, isto é, um circo teatro que flerta com aquelas divertidas rodas urbanas dos repentistas nordestinos. O resultado desse trabalho é a pura diversão, que traz toda a magia e o encanto do circo tradicional”. Complementa ainda que se trata de um espetáculo onde a liberdade é traduzida no caleidoscópio das infinitas possibilidades do riso, promovendo uma teatralidade colorida e genuinamente brasileiro.
Evill Rebouças, que assistiu esse mesmo espetáculo no Oxandolá In Festa, no calçadão (saída do trem) de Francisco Morato – SP em 2015, diz da participação do maestro Nicochina: “Acompanhados musicalmente por Robson Toma (Nicochina), os rapazes em questão – aqui denominados meninos para fazer jus à aura brincante instaurada na arte e na vida – brincam literalmente em trabalho. Tal brincadeira é tão potente que não há como diferenciar o que é ficção e o que é real, a ponto de aproximar o trabalho dos meninos ao conceito de presentificação do corpo: denominação bastante utilizada na performance para distinguir aspectos entre representação e performatividade. Isto é, no teatro, comumente, o ator representa a ficção; já na performance, geralmente, o artista prima pela não representação, pois não existem limites ou separações entre o que é ficcional e a sua vida. Se o performer tem sotaque, essa sonoridade se fará presente, independente da figura retratada na performance ser de outra região; um corte no corpo jamais será algo representado por maquiagem, mas realizado no corpo do atuante; e no caso dos meninos do Rosa dos Ventos essa potência chega à cena porque eles se desnudam enquanto cidadãos, sem negar o tempo real do acontecimento teatral e as situações que permeiam as suas criações poéticas”.Observamos que Evill mesmo tecendo esses comentários sobre performance e presentificação do corpo, ao longo do texto, nos chama de palhaços e atuantes.
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Foto de João Paulo Pimenta |
Importante destacar o papel, nas críticas, dado ao Robson Toma (Nicochina) nas cenas, com suas ações sonoras. Sobre isso, Valmir Santos diz que Nicochina faz uma musicalidade orgânica ao espetáculo, sendo na encenação o “pulmão incidental na execução ao vivo com onomatopeias e arranjos”. Ainda sobre o trabalho do Nicochina, mas falando de Hoje Tem Espetáculo, Kil Abreu destaca: “Para arrematar a boa performance dos palhaços prudentinos há ainda a fundamental marcação de uma sonoplastia atenta, que a um tempo ajuda a dar gás à bagunça e a outro a organiza, regendo o ritmo das sequências para que o espírito do improviso livre não acabe por render a cena a um caos de bom efeito, mas indiferenciado”.
Por fim, destacamos duas críticas do nosso espetáculo A Farsa do Advogado Pathelin, que teve sua estreia na quadra da UNESP de Presidente Prudente durante o II Fórum Cultural da UNESP em 2009 e que já aconteceu próximo de 150 vezes. Esse espetáculo expões questionamentos políticos e sociais de forma explicita, sendo uma adaptação nossa de um texto clássico da renascença que utilizamos para contar histórias e fazer questionamentos da atualidade, misturando-se nele nossos papeis de atores, palhaço e os próprios personagens dessa farsa medieval. Em comum, essas críticas destacam a relação do que fazemos com o bufão. Alexandre Mate, que assistiu ao espetáculo no 25° Festivale em São José dos Campos – SP em 2010 na praça Afonso Pena, diz: “Mesmo com traços de bufão, em muitos momentos, os atores-palhaços surpreendem do começo ao fim”. Destaca ainda, lembrando do papel do musical do Nicochina, que: “A inserção musical (com música ao vivo, a cargo de Robson Toma) é rigorosamente épica: os números cantados (inclusive na apoteose de entrada) apresentam, de modo crítico, o tema da obra. Exatamente, pela música explicita-se a clareza do elenco, do ponto de vista político trazido pela obra”. Paulo Bio, que assistiu a mesma apresentação na praça Afonso Pena, também fala de bufão, além de palhaço, para se referir a nossa atuação, e complementa: “Além da atuação como bufões e palhaços o grupo também se vale de um rico aparato circense, e aqui cabe novamente ressaltar a utilização das qualidades artísticas não como exibição, mas num permanente jogo com o público e com o entorno”.
Para finalizar, queremos trazer uma história vinda do maior crítico de nossos espetáculos, o público. Um dia Dez Pras Sete foi indagado por uma criança se ele era palhaço, e respondeu que dependia do autor. A menina, sem entender muito, replicou que isso não importava e sim, o que valia, é que éramos engraçados.
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