Debate em Santos
Reunimo-nos com
integrantes dos grupos: Trupe Olho da Rua, Os Pantanas, Teatro Aberto, Coisas
de Teatro entre outras atrizes e atores como
a Rosa, a Sara, a Isabel, o Robson, o Leandro e o pajé Marcos Pavanelli de São
Paulo no espaço do “Teatro Aberto”. A
conversa começou com o Caio lembrando dos tempos da CONFENATA e como nessa
época em Santos existia debate que melhor ampliava o cenário entre os grupos de
teatro locais e também com outros grupos de arte do país. E que nessa época era
perceptível um movimento de troca de informações sobre produção e criação
artística. Esse nosso encontro serviu também para ajudar na conversa entre os
próprios grupos de Santos por que as vezes uma opinião vinda de fora da rede
social local ajuda na tomada de decisões em alguns objetivos que ainda não
estão consoantes.
O Tiago novamente iniciou
as conversas explicando um pouco da nossa realidade em Presidente Prudente da
luta que temos em comum na busca de recursos para grupos do interior do Estado.
Durante a conversa a
primeira curiosidade despertada pelos presentes era como estava nossa situação
com a Secretaria Municipal de Cultura e afirmamos que não temos mais nenhum
canal de comunicação com a mesma. Todos os recursos geridos por nós foram
conseguidos com as esferas estaduais e federais. Tivemos um frenesi de
discussões a um tempo atrás com a Secretaria Municipal, continuamos sendo
contras as ações feitas pela mesma e agora não existe um mínimo debate entre
nós e achamos um erro terem nos afastado por termos feito a tentativa de
participação em uma política cultural local.
Esse processo de
separação ocorreu simultaneamente a chegada dos recursos do Ponto de Cultura
“Prudente em Cena” e isso fez com a participação de diversos outros grupos na
Federação Prudentina de Teatro fosse intensa e com sucessivas quebras de
acordos estabelecidos entre os grupos associados nesta instituição. Acordos,
por exemplo, de não mais aceitarmos verbas esparsas e dadas como a dita
“política de balcão” vindas da Secretaria Municipal de Cultura e sim esperarmos
por um edital que fosse idôneo e pela inserção da cidade no pacto com o governo
federal para a inclusão no Sistema Nacional de Cultura (SNC acabou de ser
aprovado na Câmara) para o recebimento de futuras verbas.
Esse momento para nós foi
um pandemônio com meio mundo rompendo os acordos feitos na Federação e o
Sobreira era “O Monstro que não deveria
existir” fazendo as pessoas chorarem. Isso porque para a exclusão de um
associado da Federação outro associado deve fazer um pedido a Federação e
depois discutido em Assembleia a situação do indivíduo. O resultado disso foi
que ninguém quis esperar por Assembleia nenhuma e foram muitos embora em busca
de outras associações absurdas de serem sustentáveis para criação de uma arte verdadeira
e que fale realmente sobre a vida.
A maioria dos grupos
cedeu às ofertas da Secretaria e até hoje as coisas não mudaram em nada e a
cidade de Presidente Prudente – SP completa 16 anos sem nenhum contrato
efetivado com o Ministério da Cultura em contraste a cidade de Marília - SP que
só em um ano recebeu mais de oito milhões desse Ministério. A Secretaria
Municipal de Cultura de Presidente Prudente não faz contrato com o Ministério
porque não quer prestar suas contas. Existe um pavor em mostrar as contas desta
Secretaria (não é que escondam, mas ela chega de tal modo exposta que não se
sabe sua destinação real). Não se pode esquecer-se da participação ativa de
muitos funcionários públicos e de outros que por mais que falam que não fazem
nada estão participando da construção de um vazio cultural pra cidade por uma
omissão sistemática. É incrível como algumas pessoas tem uma imunidade tal para
fazer coisas erradas e não acontecer nada.
A situação de Presidente
Prudente e do nosso passivo Conselho Municipal de Cultura nos faz lembrar-se da
máxima de que não deve haver conflitos nos processos sociais e que devemos
esperar que tudo mude bem devagarinho. Nada muda, nem os mandantes há quase 20
anos.
O Sobreira tinha um blog
pessoal com críticas mais ásperas a prefeitura e a alguns outros poderes locais
e que não existe mais porque resolvemos qualificar o discurso fazendo a nossa
primeira revista do Rego do Gorila e publicando alguns textos críticos em
jornais e blogs. Porém, não temos dimensão dessas influências.
Do ponto de vista dos
problemas que ocorrem dentro de uma prefeitura imagina que estamos discutindo
apenas as Secretarias Municipais de Cultura que tem em sua maioria esmagadora
no país verbas de menos de 1% do orçamento geral.
Lembrei de uma discussão
com outra conselheira de cultura que me dizia que em sua participação no
Conselho de Municipal de Saúde ela percebia que, por exemplo, a ausência de
algumas políticas básicas para esta área leva a morte de muitas pessoas e que a
cultura era “fichinha”.
Imaginem os problemas em
secretarias municipais com mais de 20% do orçamento geral? Daí a tremenda
importância da participação popular em fiscalizar tudo através do Conselhos em
suas respectivas cidades. Os Conselhos e outras instituições que possam participar
na deliberação de necessidades da população, deveriam, num futuro próximo,
substituir as Câmaras Municipais de Vereadores pela nulidade da existência da
egrégia como exemplo a nossa em Presidente Prudente.
Já na Federação, com a
diminuição do número de associados, surgiu uma melhor sintonia entre os
participantes, a carga de trabalho diminui e os trabalhos foram sendo
melhorados. Esse comportamento também foi percebido em outros coletivos pelo
país afora: a necessidade de uma diminuição de associados que trazem problemas
e fortalecimento de um grupo que vai agir e manter a estrutura funcionando é
imprescindível. Com as viagens feitas pelo Rosa dos Ventos acabamos por
conhecer outras associações de diferentes artes e muito parecidas no modo de
agir, porém, de diferentes cidades. A Federação acabou validando suas ações
depois de muito tempo observando que o mesmo problema ocorre em outros
diferentes lugares.
Caio (Olho da Rua) fez
breve histórico dos últimos 10 anos de financiamento público para arte e apontou
a mudança da “política de balcão” para a construção de políticas culturais
efetivas nos municípios passando pelo Fomento da Secretaria Municipal de São
Paulo e das diversas outras leis municipais que estão surgindo pelo país que
por mais insuficiente que são dão certo fôlego para existência de grupos de
arte. Também existia uma cisão muito grande do que era dito teatro
profissional, na sua maioria com fins comerciais, com o teatro amador e foi aos
poucos que o panorama foi mudando, inclusive para o interior do Estado, onde a
hipótese de produzir teatro profissional era quase impossível. Hoje, no
interior, mudou-se um pouco e podemos produzir arte em Presidente Prudente e
não precisar ficar encarcerado e sim circular com seus espetáculos em diversos outros
lugares produzindo trocas. Porém, as possibilidades de realizar teatro no país
ainda são miseráveis. Afff Cruiz!
As condições dos
trabalhadores da arte são as mais depauperáveis. Com a política de edital posta
pelos governos eles sabem que a executamos e sem dúvida nenhuma, prestamos
nossas contas muito melhor que eles chegando a lugares que o Estado ainda esta
muito distante. A máquina do Estado onera e o investimento em cultura aplicado
em nós é sem nenhuma segurança trabalhista com grande prejuízo para todos os
artistas sem férias, 13º, aposentadoria, etc. Fica, para os artistas, parceiros
ou proto-empregados do Estado uma carga de trabalho que não é paga. Não somos
inferiores a nenhum tipo de trabalhador e necessitados de auxílio. Acreditamos
que não exista em andamento política melhor que a que ocorre por aqui e somos
coadjuvantes da revolução cultural do Brasil, porém, muito há de se fazer para
que haja uma equiparação de condições de trabalho. O Estado de São Paulo é um
dos Estados mais ricos do mundo e nestes últimos anos estamos passando por uma
mudança de política com propósitos públicos dentro de uma transformação muito
profunda e não se encontra isso em nenhum outro lugar. O exemplo é a política
na França que lança editais temáticos e esse ano a questão é o meio ambiente e
você que se dane pra adequar seu projeto ao que propõe o governo de plantão.
Não podemos pensar em melhorar a qualidade de vidas das pessoas piorando a
nossa! Pior de tudo é imaginar que tudo isso são políticas de governo que pode
ser alterada.
Porém, existe uma
conjuntura com alguns fatores a serem explicados sobre esta surpresa de
encontrarmos um panorama de qualidade artisticamente razoável de espetáculos
apresentados na rua. A melhora econômica do país bate com o mesmo cronograma
histórico feito pelo Caio sobre a melhora no fomento as artes. É igual merda!
Fomenta pra vê! Não haveria mudanças tão profundas assim se não considerarmos
as melhoras econômicas gerais do país e por consequência disso um melhor aporte
destinado as artes. Outro fator que ajuda na organização política e criativa é
a associação na Rede Brasileira de Teatro de rua com uma intensa e diária troca
de informações sobre as mais diversas situações pelo Brasil afora com valores
de resistência que não os voltados para o mercado.
O processo do
desenvolvimento financeiro para o Rosa dos Ventos em sua produção cotidiana
geral passou por um fomento da UNESP onde ficamos 5 anos estudando com bolsas
auxílio e bolsa moradia, e podendo desenvolver o trabalho com o grupo do jeito
que minimamente gostávamos. Já na faculdade e logo depois dela entramos nos
Serviços Quadradinhos S/A (“dinheiro na mão cueca no chão”). O Tiago era o
Patati e o Fernando o Patatá. Mentira! Tínhamos vários serviços que não nos
agradava muito em fazê-los e outros que aprendemos a gostar, como apresentação
em aniversários de criança pequena (vários socos no saco! tauuu) e interação
com o público. Assim, com um pequeno amadurecimento do grupo, o nosso processo
de criação teve uma intima ligação com a nossa melhora financeira. Ou seja,
quanto mais livres dos trabalhos que não gostamos mais a nossa linguagem
estética melhora. Gastamos mais tempo agora pensando nas besteiras que vamos
falar e escrever.
Uma das maiores polêmicas
da noite em nossas conversas foi o fato dos trabalhos que realizamos e estamos
reforçando o “status quo” ao invés de estarmos construindo algo novo e
libertador. Se é que existe algo assim.
Porém, fazemos as nossas
escolhas e somos responsáveis por elas e em muitas situações acabamos apenas
reforçando preconceitos e doutrinamentos sobre nós mesmos em alguns trabalhos.
Com as dificuldades que passam a classe artística do teatro estes se fazem
muito menos pelas opções e muito mais pelas condições dadas e assim cedemos a
trabalhos horríveis. Segundo o Pavanelli, esse é apenas o discurso do artista
popular que precisa sobreviver. Porém, é necessário saber de que lado você está
e saber quem são os fudidos e quem
nos fodem. Nosso produto teatral não
pode ser apenas apreciado com mercadoria e nem de longe pode ser comparado a um
automóvel ou a uma caneta.
A história da arte do
mundo esta muito mais associada a história dos grandes produtores culturais do
que da qualidade de arte realmente que é produzida. Ou seja, o Cazuza
conseguiria gravar seus discos se seu pai não fosse um alto funcionário de uma
grande gravadora. Em hipótese alguma diminuímos aqui a importância desse
cantor, apenas afirmamos que teriam milhões de outras pessoas cantando na mesma
época que poderiam ser muito melhores. Só o dito “Jabá musical” que as bandas
têm que pagar para poder tocar nas rádios é um absurdo de caro. Se não pagar
não toca na rádio. Porém, os objetivos são outros e o caminho trilhado por nós
não é a busca da grande mídia. A maioria dos grupos brasileiros não tem nem
produtor. O produtor também é ator, motorista, cenógrafo, e mais um monte de
serviço dentro das atividades estabelecidas na relação de teatro de grupo com
distribuição de tarefas mais homogêneas. Portanto, se os espetáculos dos nossos
amigos estão começando a chamar atenção pela qualidade da arte produzida
estamos contrariando toda uma ordem de produção cultural.
Pior é ver os
aviltamentos e as distorções sobre política cultural nos pais onde só os que
estão no poder conseguem chegar. Exemplo são os milhões destinados ao Circo de
Soleil e ao blog da cantora Maria Bethânia e nós do teatro de rua brigando por
licença para trabalhar em praça pública. Também não dá pra dizer inocentemente
que a arte é maior ou inerte as mazelas do mundo. Temos sim que problematizar a
arte burguesa e elitista. Essa mesma que nos espezinha. Existe muita arte sendo
produzida para manter o status quo e às vezes estamos sendo doutrinados e nem
nos atentamos a isso. Exemplos dessa arte são os filmes de inspiração católica
“Paixão de Cristo” do Mel Gibson e o de inspiração protestante “Cold Mountain”
dirigido por Antony Minghella. Pior de todos os exemplos são as pinturas de
Jesus Cristo apresentado como um homem loiro de olho azul. É para acabar com o
piqui do Goiás isso!
O Caio foi um pouquinho
mais radical e estes trabalhos do Quadradinho S/A comparou os livros de auto
ajuda. Ler é bom, mas não é toda literatura que presta. No teatro em algum
momento teremos que discutir isso e o problema será em qual ideologia tudo o que
será proposto estará baseada. Pode-se implantar um novo fascismo ditatorial se,
por acaso, os ateus acharem um absurdo alguém fazer algo que remeta a algum
deus ou a alguma transcendentalidade. Isso seria absurdo, mas considerar que
estes trabalhos são literatura infantil pode.
Contrário a isso escrito
acima é muito bom lembrar-se do início da participação do Rosa dos Ventos na
Rede Brasileira de Teatro de Rua e da aproximação com os grupos paulistanos
concomitante as estreias dos espetáculos da Brava Cia (Este Lado Para Cima), do
Rosa dos Ventos (A Farsa do Advogado Pathelin), da Trupe Olho da Rua (Terra
Papagalis) e do Buraco D’Oráculo (Ser Tão Ser) que foram vistos diversas vezes
pelos integrantes dos grupos. Todo mundo assistindo os espetáculos uns dos
outros. Pode-se acompanhar a circulação verde e o processo de amadurecimento
dos espetáculos nas mostras e festivais em que os grupos participavam juntos.
Isso foi uma coisa impar para o Rosa dos Ventos.
Agradecemos a todas as
pessoas presentes em nossa conversa e especialmente aos integrantes da Trupe
Olho da Rua que apoiaram este encontro divulgando o debate para os grupos de
teatro locais.