quarta-feira, 6 de junho de 2012


Debate em Santos

Reunimo-nos com integrantes dos grupos: Trupe Olho da Rua, Os Pantanas, Teatro Aberto, Coisas de Teatro entre outras atrizes e atores como a Rosa, a Sara, a Isabel, o Robson, o Leandro e o pajé Marcos Pavanelli de São Paulo no espaço do “Teatro Aberto”. A conversa começou com o Caio lembrando dos tempos da CONFENATA e como nessa época em Santos existia debate que melhor ampliava o cenário entre os grupos de teatro locais e também com outros grupos de arte do país. E que nessa época era perceptível um movimento de troca de informações sobre produção e criação artística. Esse nosso encontro serviu também para ajudar na conversa entre os próprios grupos de Santos por que as vezes uma opinião vinda de fora da rede social local ajuda na tomada de decisões em alguns objetivos que ainda não estão consoantes.
O Tiago novamente iniciou as conversas explicando um pouco da nossa realidade em Presidente Prudente da luta que temos em comum na busca de recursos para grupos do interior do Estado.
Durante a conversa a primeira curiosidade despertada pelos presentes era como estava nossa situação com a Secretaria Municipal de Cultura e afirmamos que não temos mais nenhum canal de comunicação com a mesma. Todos os recursos geridos por nós foram conseguidos com as esferas estaduais e federais. Tivemos um frenesi de discussões a um tempo atrás com a Secretaria Municipal, continuamos sendo contras as ações feitas pela mesma e agora não existe um mínimo debate entre nós e achamos um erro terem nos afastado por termos feito a tentativa de participação em uma política cultural local.
Esse processo de separação ocorreu simultaneamente a chegada dos recursos do Ponto de Cultura “Prudente em Cena” e isso fez com a participação de diversos outros grupos na Federação Prudentina de Teatro fosse intensa e com sucessivas quebras de acordos estabelecidos entre os grupos associados nesta instituição. Acordos, por exemplo, de não mais aceitarmos verbas esparsas e dadas como a dita “política de balcão” vindas da Secretaria Municipal de Cultura e sim esperarmos por um edital que fosse idôneo e pela inserção da cidade no pacto com o governo federal para a inclusão no Sistema Nacional de Cultura (SNC acabou de ser aprovado na Câmara) para o recebimento de futuras verbas.
Esse momento para nós foi um pandemônio com meio mundo rompendo os acordos feitos na Federação e o Sobreira era “O Monstro que não deveria existir” fazendo as pessoas chorarem. Isso porque para a exclusão de um associado da Federação outro associado deve fazer um pedido a Federação e depois discutido em Assembleia a situação do indivíduo. O resultado disso foi que ninguém quis esperar por Assembleia nenhuma e foram muitos embora em busca de outras associações absurdas de serem sustentáveis para criação de uma arte verdadeira e que fale realmente sobre a vida.
A maioria dos grupos cedeu às ofertas da Secretaria e até hoje as coisas não mudaram em nada e a cidade de Presidente Prudente – SP completa 16 anos sem nenhum contrato efetivado com o Ministério da Cultura em contraste a cidade de Marília - SP que só em um ano recebeu mais de oito milhões desse Ministério. A Secretaria Municipal de Cultura de Presidente Prudente não faz contrato com o Ministério porque não quer prestar suas contas. Existe um pavor em mostrar as contas desta Secretaria (não é que escondam, mas ela chega de tal modo exposta que não se sabe sua destinação real). Não se pode esquecer-se da participação ativa de muitos funcionários públicos e de outros que por mais que falam que não fazem nada estão participando da construção de um vazio cultural pra cidade por uma omissão sistemática. É incrível como algumas pessoas tem uma imunidade tal para fazer coisas erradas e não acontecer nada.
A situação de Presidente Prudente e do nosso passivo Conselho Municipal de Cultura nos faz lembrar-se da máxima de que não deve haver conflitos nos processos sociais e que devemos esperar que tudo mude bem devagarinho. Nada muda, nem os mandantes há quase 20 anos.
O Sobreira tinha um blog pessoal com críticas mais ásperas a prefeitura e a alguns outros poderes locais e que não existe mais porque resolvemos qualificar o discurso fazendo a nossa primeira revista do Rego do Gorila e publicando alguns textos críticos em jornais e blogs. Porém, não temos dimensão dessas influências.
Do ponto de vista dos problemas que ocorrem dentro de uma prefeitura imagina que estamos discutindo apenas as Secretarias Municipais de Cultura que tem em sua maioria esmagadora no país verbas de menos de 1% do orçamento geral.
Lembrei de uma discussão com outra conselheira de cultura que me dizia que em sua participação no Conselho de Municipal de Saúde ela percebia que, por exemplo, a ausência de algumas políticas básicas para esta área leva a morte de muitas pessoas e que a cultura era “fichinha”.
Imaginem os problemas em secretarias municipais com mais de 20% do orçamento geral? Daí a tremenda importância da participação popular em fiscalizar tudo através do Conselhos em suas respectivas cidades. Os Conselhos e outras instituições que possam participar na deliberação de necessidades da população, deveriam, num futuro próximo, substituir as Câmaras Municipais de Vereadores pela nulidade da existência da egrégia como exemplo a nossa em Presidente Prudente.
Já na Federação, com a diminuição do número de associados, surgiu uma melhor sintonia entre os participantes, a carga de trabalho diminui e os trabalhos foram sendo melhorados. Esse comportamento também foi percebido em outros coletivos pelo país afora: a necessidade de uma diminuição de associados que trazem problemas e fortalecimento de um grupo que vai agir e manter a estrutura funcionando é imprescindível. Com as viagens feitas pelo Rosa dos Ventos acabamos por conhecer outras associações de diferentes artes e muito parecidas no modo de agir, porém, de diferentes cidades. A Federação acabou validando suas ações depois de muito tempo observando que o mesmo problema ocorre em outros diferentes lugares.
Caio (Olho da Rua) fez breve histórico dos últimos 10 anos de financiamento público para arte e apontou a mudança da “política de balcão” para a construção de políticas culturais efetivas nos municípios passando pelo Fomento da Secretaria Municipal de São Paulo e das diversas outras leis municipais que estão surgindo pelo país que por mais insuficiente que são dão certo fôlego para existência de grupos de arte. Também existia uma cisão muito grande do que era dito teatro profissional, na sua maioria com fins comerciais, com o teatro amador e foi aos poucos que o panorama foi mudando, inclusive para o interior do Estado, onde a hipótese de produzir teatro profissional era quase impossível. Hoje, no interior, mudou-se um pouco e podemos produzir arte em Presidente Prudente e não precisar ficar encarcerado e sim circular com seus espetáculos em diversos outros lugares produzindo trocas. Porém, as possibilidades de realizar teatro no país ainda são miseráveis. Afff Cruiz!
As condições dos trabalhadores da arte são as mais depauperáveis. Com a política de edital posta pelos governos eles sabem que a executamos e sem dúvida nenhuma, prestamos nossas contas muito melhor que eles chegando a lugares que o Estado ainda esta muito distante. A máquina do Estado onera e o investimento em cultura aplicado em nós é sem nenhuma segurança trabalhista com grande prejuízo para todos os artistas sem férias, 13º, aposentadoria, etc. Fica, para os artistas, parceiros ou proto-empregados do Estado uma carga de trabalho que não é paga. Não somos inferiores a nenhum tipo de trabalhador e necessitados de auxílio. Acreditamos que não exista em andamento política melhor que a que ocorre por aqui e somos coadjuvantes da revolução cultural do Brasil, porém, muito há de se fazer para que haja uma equiparação de condições de trabalho. O Estado de São Paulo é um dos Estados mais ricos do mundo e nestes últimos anos estamos passando por uma mudança de política com propósitos públicos dentro de uma transformação muito profunda e não se encontra isso em nenhum outro lugar. O exemplo é a política na França que lança editais temáticos e esse ano a questão é o meio ambiente e você que se dane pra adequar seu projeto ao que propõe o governo de plantão. Não podemos pensar em melhorar a qualidade de vidas das pessoas piorando a nossa! Pior de tudo é imaginar que tudo isso são políticas de governo que pode ser alterada.
Porém, existe uma conjuntura com alguns fatores a serem explicados sobre esta surpresa de encontrarmos um panorama de qualidade artisticamente razoável de espetáculos apresentados na rua. A melhora econômica do país bate com o mesmo cronograma histórico feito pelo Caio sobre a melhora no fomento as artes. É igual merda! Fomenta pra vê! Não haveria mudanças tão profundas assim se não considerarmos as melhoras econômicas gerais do país e por consequência disso um melhor aporte destinado as artes. Outro fator que ajuda na organização política e criativa é a associação na Rede Brasileira de Teatro de rua com uma intensa e diária troca de informações sobre as mais diversas situações pelo Brasil afora com valores de resistência que não os voltados para o mercado.
O processo do desenvolvimento financeiro para o Rosa dos Ventos em sua produção cotidiana geral passou por um fomento da UNESP onde ficamos 5 anos estudando com bolsas auxílio e bolsa moradia, e podendo desenvolver o trabalho com o grupo do jeito que minimamente gostávamos. Já na faculdade e logo depois dela entramos nos Serviços Quadradinhos S/A (“dinheiro na mão cueca no chão”). O Tiago era o Patati e o Fernando o Patatá. Mentira! Tínhamos vários serviços que não nos agradava muito em fazê-los e outros que aprendemos a gostar, como apresentação em aniversários de criança pequena (vários socos no saco! tauuu) e interação com o público. Assim, com um pequeno amadurecimento do grupo, o nosso processo de criação teve uma intima ligação com a nossa melhora financeira. Ou seja, quanto mais livres dos trabalhos que não gostamos mais a nossa linguagem estética melhora. Gastamos mais tempo agora pensando nas besteiras que vamos falar e escrever.
Uma das maiores polêmicas da noite em nossas conversas foi o fato dos trabalhos que realizamos e estamos reforçando o “status quo” ao invés de estarmos construindo algo novo e libertador. Se é que existe algo assim.
Porém, fazemos as nossas escolhas e somos responsáveis por elas e em muitas situações acabamos apenas reforçando preconceitos e doutrinamentos sobre nós mesmos em alguns trabalhos. Com as dificuldades que passam a classe artística do teatro estes se fazem muito menos pelas opções e muito mais pelas condições dadas e assim cedemos a trabalhos horríveis. Segundo o Pavanelli, esse é apenas o discurso do artista popular que precisa sobreviver. Porém, é necessário saber de que lado você está e saber quem são os fudidos e quem nos fodem. Nosso produto teatral não pode ser apenas apreciado com mercadoria e nem de longe pode ser comparado a um automóvel ou a uma caneta.
A história da arte do mundo esta muito mais associada a história dos grandes produtores culturais do que da qualidade de arte realmente que é produzida. Ou seja, o Cazuza conseguiria gravar seus discos se seu pai não fosse um alto funcionário de uma grande gravadora. Em hipótese alguma diminuímos aqui a importância desse cantor, apenas afirmamos que teriam milhões de outras pessoas cantando na mesma época que poderiam ser muito melhores. Só o dito “Jabá musical” que as bandas têm que pagar para poder tocar nas rádios é um absurdo de caro. Se não pagar não toca na rádio. Porém, os objetivos são outros e o caminho trilhado por nós não é a busca da grande mídia. A maioria dos grupos brasileiros não tem nem produtor. O produtor também é ator, motorista, cenógrafo, e mais um monte de serviço dentro das atividades estabelecidas na relação de teatro de grupo com distribuição de tarefas mais homogêneas. Portanto, se os espetáculos dos nossos amigos estão começando a chamar atenção pela qualidade da arte produzida estamos contrariando toda uma ordem de produção cultural.
Pior é ver os aviltamentos e as distorções sobre política cultural nos pais onde só os que estão no poder conseguem chegar. Exemplo são os milhões destinados ao Circo de Soleil e ao blog da cantora Maria Bethânia e nós do teatro de rua brigando por licença para trabalhar em praça pública. Também não dá pra dizer inocentemente que a arte é maior ou inerte as mazelas do mundo. Temos sim que problematizar a arte burguesa e elitista. Essa mesma que nos espezinha. Existe muita arte sendo produzida para manter o status quo e às vezes estamos sendo doutrinados e nem nos atentamos a isso. Exemplos dessa arte são os filmes de inspiração católica “Paixão de Cristo” do Mel Gibson e o de inspiração protestante “Cold Mountain” dirigido por Antony Minghella. Pior de todos os exemplos são as pinturas de Jesus Cristo apresentado como um homem loiro de olho azul. É para acabar com o piqui do Goiás isso!
O Caio foi um pouquinho mais radical e estes trabalhos do Quadradinho S/A comparou os livros de auto ajuda. Ler é bom, mas não é toda literatura que presta. No teatro em algum momento teremos que discutir isso e o problema será em qual ideologia tudo o que será proposto estará baseada. Pode-se implantar um novo fascismo ditatorial se, por acaso, os ateus acharem um absurdo alguém fazer algo que remeta a algum deus ou a alguma transcendentalidade. Isso seria absurdo, mas considerar que estes trabalhos são literatura infantil pode.
Contrário a isso escrito acima é muito bom lembrar-se do início da participação do Rosa dos Ventos na Rede Brasileira de Teatro de Rua e da aproximação com os grupos paulistanos concomitante as estreias dos espetáculos da Brava Cia (Este Lado Para Cima), do Rosa dos Ventos (A Farsa do Advogado Pathelin), da Trupe Olho da Rua (Terra Papagalis) e do Buraco D’Oráculo (Ser Tão Ser) que foram vistos diversas vezes pelos integrantes dos grupos. Todo mundo assistindo os espetáculos uns dos outros. Pode-se acompanhar a circulação verde e o processo de amadurecimento dos espetáculos nas mostras e festivais em que os grupos participavam juntos. Isso foi uma coisa impar para o Rosa dos Ventos.
Agradecemos a todas as pessoas presentes em nossa conversa e especialmente aos integrantes da Trupe Olho da Rua que apoiaram este encontro divulgando o debate para os grupos de teatro locais. 

Um comentário:

  1. Parabéns pelo trabalhão de relatar todos os debates com certeza é assim que estamos escrevendo uma outra história. Grande exemplo de disciplina!
    abraço
    Caio

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